Mário de Sá-Carneiro: uma alma estraçalhada
Se destaca no Modernismo português Mário de Sá-Carneiro, um escritor muito original e instigante. Quase tudo que escreveu trata dos conflitos psicológicos relacionados a uma profunda crise de identidade. Esse interesse pela autoanálise o aproxima de certo modo de Fernando Pessoa, especialmente do heterônimo Alvaro de Campos, tantas vezes atormentado por angústias existenciais. No entanto, contrariamente à poesia de Alvaro de Campos, que vez ou outra manifesta entusiasmo pela vida, a de Sá-Carneiro jamais vislumbra possibilidades de abrandamento do sofrimento que lhe estraçalha a vida. Observe isso, lendo o texto que segue.
Estátua falsa
Só de oiro falso os meus olhos se douram;
Sou esfinge sem mistério no poente.
A tristeza das coisas que não foram
Na minh'alma desceu veladamente. [...]
Já não estremeço em face do segredo;
Nada me aloira já, nada me aterra:
A vida corre sobre mim em guerra,
E nem sequer um arrepio de medo!
Sou estrela ébria que perdeu os céus,
Sereia louca que deixou o mar;
Sou templo prestes a ruir sem deus,
Estátua falsa ainda erguida ao ar...
Mário de Sá-Carneiro.
Poesias completas. Porto: Orfeu, p. 24.
1. Por que se pode afirmar que, já no primeiro verso do poema, o eu lírico anuncia seu pessimismo em relação à vida?
2. Qual ideia prevalece na segunda estrofe?
3. Identifique qual destas afirmações expressa a ideia sugerida em todos os versos do poema. Transcreva-a.
a) inadequação entre o ser e a situação em que no presente está inserido.
b) rebeldia contra a rotina.
c) descompasso entre a realidade e o sonho.
Gabarito
1. O primeiro verso do poema já anuncia o pessimismo do eu lírico em relação à vida, pois nele se afirma que até mesmo o que poderia ser belo, agradável, é uma ilusão, é falsidade.
2. O estado de espírito do eu lírico é de desesperança e aceitação, como se observa em: "Nada me aloira já, nada me aterra:".
3. Inadequação entre o ser e a situação em que seu presente está inserido.