4 de novembro de 2016

Exercícios sobre Trovadorismo (interpretação)

Você encontrará a seguir a letra de uma canção escrita pelo compositor baiano Carlos Pitta. O texto, elaborado contemporaneamente, retoma uma das representações mais comuns do amor medieval: aquele dedicado por um corajoso cavaleiro a uma donzela cheia de encantos. Leia-o com atenção e depois responda às questões propostas.

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A história do cavaleiro enluarado com a donzela das terras de bem amar.

Donzela: 
Cavaleiro Enluarado, 
De onde vens que não se chega? 
De que terras traz, partida, 
Coração sujo de estrada? 
Vem clareia nos meus braços 
Que quero sonhar contigo. 
Me dizes qual o teu nome 
E serei de ti amada. 

Cavaleiro: 
Donzela, sou a lua nova 
No sertão a clarear. 
Sou pó, poeira, estrada. 
Sou nuvem de ver passar. 
Sou fogo de terra ardendo, 
sereno cor de cantar. 
Quando ando sou Tirana. 
Quando amo sou luar. 

Donzela: 
E que queres, cavaleiro, 
Em terras de Bem Amar? 

Cavaleiro: 
Ando atrás de ti, donzela, 
A mando do meu sonhar. 

Donzela: 
Anda. Conta-me as caídas 
Que encontrou no caminhar. 

Cavaleiro: 
São bem poucas pra quem ama. 
Não merece nem contar. 

Donzela: 
Meu reino é bem guardado 
Por caminhos de adivinhar. 
Quero só, de ti, saber: 
Como conseguiste entrar? 

Cavaleiro: 
Foi o vento do querer 
Que me deu a montaria 
E que me trouxe a teu morar. 

Donzela: 
Então venceste o meu encanto 
E, de ti, serei amada. 
Pois amor pra ser verdade 
Tem que ter muito lutar. 

Cavaleiro: 
Que seja como a madrugada, 
Que pra cada cavaleiro 
Dá uma estrela de guiar. 

PITTA, Carlos. A história do cavaleiro enluarado com a donzela das terras de bem amar.

1. Que personagens dialogam no texto? Como é possível caracterizá-los? 

2. Que elementos presentes no texto remetem ao universo medieval? 

3. Que palavras presentes no texto remetem ao interior do nordeste brasileiro?

4. Indique as palavras do texto que estão relacionadas à natureza. 

5. A noção de sonho está presente tanto na fala da donzela como na fala do cavaleiro. De que modo ela interfere na composição da atmosfera do texto? 

6. Como se comportou o cavaleiro para obter o amor da donzela?

7. Leia com atenção as cantigas a seguir e depois responda às questões propostas. 


Texto 1 

Original 
Quant'a, senhor, que m'eu de vos parti 
atan muyt'a que nunca vi prazer, 
nen pesar, e quero-vos eu dizer 
como prazer, nen pesar non er vi: 
perdi o sen e non poss'estremar 
o ben do mal, nen prazer do pesar. 

Tradução 
Senhora, desde o dia em que parti 
não tive um só momento de prazer 
ou de pesar e quero-vos dizer 
por que em tal estado então me vi: 
louco de amor, não sei diferençar 
o bem do mal, o prazer do pesar. 

D. DINIS. In: BERARDINELLI. Cleonice. Cantigas de trovadores medievais em português moderno. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1953. p. 97. Fragmento. 

Texto 2 

Ondas do mar de Vigo, 
se vistes meu amigo? 
E ai Deus, se verrá cedo! 

Ondas do mar levado, 
se vistes meu amado? 
E ai Deus, se verrá cedo! 
Se vistes meu amigo, 
o por que eu sospiro? 
E ai Deus, se verrá cedo! 

Se vistes meu amado, 
por que ei gran coidado? 
E ai Deus, se verrá cedo! 

CODAX. Martim. In: Antologia da poesia portuguesa (séc. XII-séc. XX). Porto: Lello & Irmãos Editores. 1977, p. 155.

E ai Deus, se verrá cedo! = Queira Deus que ele venha cedo 

a) Como pode ser classificada a cantiga apresentada no fragmento 1? Explique sua resposta. 
b) O texto 2 é uma cantiga de que tipo? Em que você se baseou para classificá-la? 
c) Qual dos dois textos apresenta maior complexidade na forma e também no tratamento do sentimento amoroso? Justifique sua resposta.
8. Esta é uma cantiga satírica de escárnio. Leia-a com atenção e depois explique de que ela trata. 

Ai, dona fea, foste-vos queixar 
que vos nunca louv'en eu trobar 
mais ora quero fazer un cantar 
en que vos loarei toda via
e vedes como vos quero loar: 
dona fea, velha e sandia

Ai dona fea, se Deus me perdon! 
e pois havedes tan gran coraçon 
que vos eu loe en esta razon, 

vos quero ja loar toda via; 
e vedes qual será a loaçon
dona fea, velha e sandia! 

Dona fea, nunca vos eu loei 
en meu trobar, pero muito trobei; 
mais ora ja un bon cantar farei 
en que vos loarei toda via; 
e direi-vos como vos loarei: 
dona fea, velha e sandia! 

GUILHADE, Joan Garcia de. In: ABDALA JÚNIOR, Benjamin; PASCHOALIN, Maria Aparecida.  História social da literatura portuguesa. São Paulo: Ática, 1994. p. 19. 

Trobar: travar. 
Mais ora: mas agora. 
Loarei toda via: louvarei toda vida. 
Sandia: louca. 
Loaçon: louvação. 

9. Leia o poema a seguir, escrito por Manuel Bandeira, para responder às questões propostas. 

Letra para uma valsa romântica.

A tarde agoniza
Ao santo acalanto
Da noturna brisa.
E eu, que também morro, 
Morro sem consolo, 
Se não vens, Elisa! 

Ai nem te humaniza 
O pranto que tanto 
Nas faces desliza 
Do amante que pede 
Suplicantemente 
Teu amor, Elisa! 

Ri, desdenha, pisa! 
Meu canto, no entanto, 
Mais te diviniza, 
Mulher diferente, 
Tão indiferente, 
Desumana Elisa! 

BANDEIRA, Manuel. Meus poemas preferidos. Rio de Janeiro: Ediouro, 2008. p. 96. 

a) O poema pode ser identificado com qual tipo de cantiga medieval? 
b) Enumere duas características desse tipo de cantiga evoca das no poema de Bandeira, apontando os versos em que elas podem ser percebidas.


10. O poeta português Eugênio de Andrade (1923-2005) escreveu o poema "Canção", baseado nas cantigas medievais. Leia-o e indique com que tipo de canção medieval o poema dialoga. Justifique sua resposta. 

Canção 

Tinha um cravo no meu balcão; 
veio um rapaz e pediu-mo 
—  mãe, dou-lho ou não? 

Sentada, bordava um lenço de mão; 
veio um rapaz e pediu-mo 
— mãe, dou-lho ou não? 

Dei um cravo e dei um lenço, 
só não dei o coração; 
mas se o rapaz mo pedir 
— mãe, dou-lho ou não? 

CASTRO, Eugênio de. Canção

11. Em 1859, o poeta, jornalista e advogado baiano Luiz Gama, um dos intelectuais negros brasileiros do século XIX, publicou a obra Primeiras trovas burlescas, da qual faz parte o soneto eu você vai ler a seguir.


Retrato

É renga, magricela e presumida, 
Com pele de muxiba engrouvinhada; 
O corpo de sumaça desarmada, 
A cara de muafa mal cosida; 

A perna de forquilha retorcida, 
Os ombros de cangalha um tanto usada; 
A boca, de ratões grata morada, 
Maçante na conversa e mal sofrida; 

Senhora de um leproso cão rafeiro, 
Que, querendo passar por mocetona, 
Se besunta com sebo de carneiro; 

Vestida é saracura de japona, 
De feia catadura, e de mau cheiro, 
Eis a choca perua da Amazona.

GAMA. Luiz. Retrato. In: FERRElRA, Ligia Fonseca (Org.) Primeiras trovas burlescas. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 82.

a) Procure no dicionário o significado destas palavras e indique o sentido em que são usadas no texto: renga, presumida, muxiba, engrouvinhada, sumaça, muafa, forquilha, cangalha, rafeiro, mocetona, besunta, saracura, japona, catadura.

b) No verso "A boca, de ratões grata morada," há uma inversão sintática. Reescreva-o na ordem direta. 

c) Que relação é possível estabelecer entre o poema de Luiz Gama e as cantigas satíricas de maldizer? Justifique sua resposta. 


12. Em 1959, o escritor italiano Ítalo Calvino publicou o romance O cavaleiro inexistente. Espécie de novela de cavalaria às avessas, o texto narra as aventuras e desventuras de Agilulfo, um cavaleiro da corte de Carlos Magno que só existe dentro de sua armadura. Leia um fragmento do romance e responda às questões. 

[...] Até o momento em que se encontravam frente a frente os campeões inimigos, escudo contra escudo. Começavam os duelos, mas, como o chão já estava coberto de carcaças e cadáveres, era difícil mover-se, e, onde não podiam terçar armas, desabafavam por meio de insultos. Aí era decisivo o grau e a intensidade do insulto, porque, conforme fosse ofensa mortal, sanguinária, insustentável, média ou leve, exigiam-se diversas reparações ou então ódios implacáveis que eram transmitidos aos descendentes. Portanto, o importante era entender-se, coisa não muito fácil entre mouros e cristãos e com as várias línguas mouras e cristãs entre eles; se alguém recebia um insulto indecifrável, que podia fazer? Era preciso suportá-lo e quem sabe se ficasse desonrado para o resto da vida. Portanto, nessa fase do combate, participavam os intérpretes, tropa rápida, com armamento leve, montada em cavalinhos, que circulavam ao redor, captavam no ar os insultos e os traduziam imediatamente na língua do destinatário. 
— Khar-as-Sus! 
— Excremento de verme! 
—  Mushirik! Sozo! Mozo! Escalvão! Marrano! Hijo de puta! Zabalkan! Merdas! 
Esses intérpretes, haviam combinado de ambas as partes não ser necessário matá-los. Além do mais, moviam-se velozmente e naquela confusão, se não era fácil matar um pesado guerreiro montado num grande cavalo que mal podia mexer as patas, tão atravancadas estavam com couraças, imaginem tais saltimbancos. Mas todos sabem: guerra é guerra, e às vezes alguém ficava para adubo. 

CALVINO, Ítalo. O cavaleiro inexistente. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 38-39. Fragmento. 

a) Compare esse fragmento do romance de Calvino com o trecho da novela de cavalaria A demanda do Santo Graal. Qual é o tema de ambos? 
b) Segundo o texto de Calvino, como podem ser classificados os insultos trocados durante as batalhas? 
c) Qual é a situação irônica narrada no texto de Calvino? 
d) Explique o sentido da frase final do texto: "Mas todos sabem: guerra é guerra, e às vezes alguém ficava para adubo". 
e) Com base no fragmento lido, é possível afirmar que o romance contemporâneo realiza uma paródia das novelas de cavalaria? Justifique sua resposta.