27 de setembro de 2016

Questões sobre Memórias de um Sargento de Milícias


1 - (FUVEST 2013) Os momentos históricos em que se desenvolvem os enredos de Viagens na minha terra, Memórias de um sargento de milícias e Memórias póstumas de Brás Cubas (quanto a este último, em particular no que se refere à primeira juventude do narrador) são, todos, determinados de modo decisivo por um antecedente histórico comum — menos ou mais imediato, conforme o caso. Trata-se da:

a) invasão de Portugal pelas tropas napoleônicas.
b) turbulência social causada pelas revoltas regenciais.
c) volta de D. Pedro I a Portugal.
d) proclamação da independência do Brasil.
e) antecipação da maioridade de D. Pedro II.

2 - (FUVEST 2013) Em Viagens na minha terra, assim como em:

a) Memórias de um sargento de milícias, embora se situem ambas as obras no Romantismo, criticam-se os exageros de idealização e de expressão que ocorrem nessa escola literária.
b) A cidade e as serras, a preferência pelo mundo rural português tem como contraponto a ojeriza às cidades estrangeiras — Paris, em particular.
c) Vidas secas, os discursos dos intelectuais são vistos como “a prosa vil da nação”, ao passo que a sabedoria popular “procede da síntese transcendente, superior e inspirada pelas grandes e eternas verdades”.
d) Memórias póstumas de Brás Cubas, a prática da divagação e da digressão exerce sobre todos os valores uma ação dissolvente, que culmina, em ambos os casos, em puro niilismo.
e) O cortiço, manifestam-se, respectivamente, tanto o antibrasileirismo do escritor português quanto o antilusitanismo do seu par brasileiro, assim como o absolutismo do primeiro e o liberalismo do segundo.

3 - (UFPR 2009) Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, tem merecido atenção dos críticos literários há bem mais de um século. Identifique, entre os trechos de críticas literárias a seguir, quais se referem a essa obra.

1. Essa obra é, dos seus primeiros livros, o que mais possui o ar de modernidade a que se referiu Barreto Filho, “deslocando o interesse do acontecimento objetivo para o estudo dos caracteres”, na linha portanto do romance psicológico a que se entregaria definitivamente, rompendo com a tendência ao romanesco tão em voga. (Adaptado de: COUTINHO, Afrânio. Estudo Crítico. p. 26.)
2. Essa obra difere da maioria dos romances românticos, pois apresenta uma série de procedimentos que fogem ao padrão da prosa romântica. O protagonista não é herói nem vilão, mas um malandro simpático que leva uma vida de pessoa comum; não há idealização da mulher, da natureza ou do amor, sendo reais as situações retratadas; a linguagem se aproxima da jornalística, deixando de lado a excessiva metaforização que caracteriza a prosa romântica. (Adaptado de: CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português Linguagens, vol II, p. 182.)
3. [...] o distanciamento cronológico dessa obra é de poucos anos, o que autoriza classificá-la antes de novela de memórias que histórica. Donde o argumento, que o escritor ouviu de um colega do “Correio Mercantil”, de ostentar características de documento de uma fase histórica do Rio de Janeiro, porventura ainda vigente na altura em que a narrativa foi elaborada. Desse teor documental nasce o realismo que perpassa [...] toda a obra: um realismo instintivo, quase de reportagem social, a que faltam apenas arquitraves científicas para se transformar no Realismo ortodoxo da segunda metade do século XIX. (Adaptado de: MOISÉS, Massaud, A literatura brasileira através dos textos. p. 173.)
4. É supérfluo encarecer o valor documental da obra. A crítica sociológica já o fez com a devida minúcia. Essa obra nos dá, na verdade, um corte sincrônico da vida familiar brasileira nos meios urbanos em uma fase em que já se esboçava uma estrutura não mais puramente colonial, mas ainda longe do quadro industrial-burguês. E, como o autor conviveu de fato com o povo, o espelhamento foi distorcido apenas pelo ângulo da comicidade. Que é, de longa data, o viés pelo qual o artista vê o típico, e sobretudo o típico popular. (Adaptado de: BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. p. 134.)

Referem-se à obra Memórias de um sargento de milícias os trechos:

a) 1, 2 e 3 apenas.
b) 2 e 4 apenas.
c) 1 e 4 apenas.
d) 2, 3 e 4 apenas.
e) 1, 2, 3 e 4.

(FUVEST 2002) Leia o trecho para responder às questões a seguir:

“ Sua história tem pouca coisa de notável. Fora Leonardo algibebe em Lisboa, sua pátria; aborrecerase porém do negócio, e viera ao Brasil. Aqui chegando, não se sabe por proteção de quem, alcançou o emprego de que o vemos empossado, o que exercia, como dissemos, desde tempos remotos. Mas viera com ele no mesmo navio, não sei fazer o quê, uma certa Maria de hortaliça, quitandeira das praças de Lisboa, saloia²rechonchuda e bonitona. O Leonardo, fazendose-lhe justiça, não era nesse tempo de sua mocidade mal apessoado, e sobretudo era maganão. Ao sair do Tejo, estando a Maria encostada à borda do navio, o Leonardo fingiu que passava distraído junto dela, e com o ferrado sapatão assentou-lhe uma valente pisadela no pé direito. A Maria, como se já esperasse por aquilo, sorriu-se como envergonhada do gracejo, e deu-lhe também em ar de disfarce um tremando beliscão nas costas da mão esquerda. Era isto uma declaração em forma, segundo os usos da terra: levaram o resto do dia de namoro cerrado; ao anoitecer passou-se a mesma cena de pisadela e beliscão, com a diferença de serem desta vez um pouco mais fortes; e no dia seguinte estavam os dois amantes tão extremosos e familiares, que pareciam sê-lo de muitos anos.” (Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um sargento de milícias)

1- algibebe: mascate, vendedor ambulante.
2 - saloia: aldeã das imediações de Lisboa.
3- maganão: brincalhão, jovial, divertido.

4. Neste excerto, o modo pelo qual é relatado o início do relacionamento entre Leonardo e Maria:

a) manifesta os sentimentos antilusitanos do autor, que enfatiza a grosseria dos portugueses em oposição ao refinamento dos brasileiros.
b) revela os preconceitos sociais do autor, que retrata de maneira cômica as classes populares, mas de maneiras respeitosa a aristocracia e o clero.
c) reduz as relações amorosas a seus aspetos sexuais e fisiológicos, conforme os ditames do Naturalismo.
d) opõe-se ao tratamento idealizante e sentimental das relações amorosas, dominante do Romantismo.
e) evidencia a brutalidade das relações interraciais, própria do contexto colonial escravista.

5. No excerto, o narrador incorpora elementos da linguagem usada pela maioria das personagens da obra, como se verifica em:

a) aborrecera-se porém do negócio.
b) de que o vemos empossado.
c) rechonchuda e bonitota.
d) envergonhada do gracejo.
e) amantes tão extremosos.

6 - (UNICAMP 2013) Em uma passagem célebre de Memórias de um sargento de milícias, pode-se ler, a respeito da personagem de Leonardo Pataca, que “o homem era romântico, como se diz hoje, e babão, como se dizia naquele tempo”. (Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um sargento de milícias. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1978, p. 19.)

a) De que maneira a passagem acima explicita o lugar peculiar ocupado pelo livro de Manuel Antônio de Almeida no Romantismo brasileiro?
b) Como essa peculiaridade do livro se manifesta, de maneira geral, na caracterização das personagens e na construção do enredo?

7 - (FUVEST 2009) Leia o trecho de abertura de Memórias de um sargento de milícias e responda ao
que se pede.

Era no tempo do rei.
Uma das quatro esquinas que formam as ruas do 
Ouvidor e da Quitanda, cortando-se mutuamente,
chamava-se nesse tempo — O canto dos meirinhos —;
e bem lhe assentava o nome, porque era aí o lugar de
encontro favorito de todos os indivíduos dessa classe
(que gozava então de não pequena consideração).
Os meirinhos de hoje não são mais do que a sombra
caricata dos meirinhos do tempo do rei; esses eram
gente temível e temida, respeitável e respeitada;
formavam um dos extremos da formidável cadeia
judiciária que envolvia todo o Rio de Janeiro no tempo
em que a demanda era entre nós um elemento de vida:
o extremo oposto eram os desembargadores.

(Manuel Antônio de Almeida. Memórias de um sargento de milícias)

a) A frase “Era no tempo do rei” refere-se a um período histórico determinado e possui, também, uma conotação marcada pela indeterminação temporal. Identifique tanto o período histórico a que se refere a frase quanto a mencionada conotação que ela também apresenta.
b) No trecho aqui reproduzido, o narrador compara duas épocas diferentes: o seu próprio tempo e o tempo do rei. Esse procedimento é raro ou frequente no livro? Com que objetivos o narrador o adota?

GABARITO

1. Alternativa a
A invasão de Portugal pelo exército francês ocorreu em 1807. Esse fato funciona como um marco do expansionismo napoleônico na Península Ibérica, que auxiliou a difusão de ideias liberais oriundas da Revolução Francesa de 1789. Em Portugal, essas ideias fomentaram uma oposição à monarquia absolutista. Tal oposição acabaria desencadeando uma guerra civil, que serve de pano de fundo histórico às Viagens na minha terra. Posteriormente, a queda de Napoleão seria celebrada pelo pai do menino Brás Cubas, em um episódio que o narrador faz questão de registrar em suas Memórias póstumas. Como consequência dessa invasão, a família real portuguesa se deslocou para terras brasileiras, inaugurando o período joanino no Brasil, durante o qual acontece a ação de Memórias de um sargento de milícias.

2. Alternativa a
Em Viagens na minha terra, a crítica à idealização pode ser observada na carta que Carlos envia à Joaninha, ao final do romance. Nessa carta, ele orienta a prima quanto às ilusões do amor e sobre os perigos de deixar que o sentimento sobrepuje a razão. Em Memórias de um sargento de milícias, o narrador substitui o sentimentalismo exacerbado, traço convencional do movimento romântico, por uma narrativa caracterizada pela comicidade. A linguagem, influenciada pelo estilo jornalístico da época, imprime, no retrato social, um dinamismo que foge aos exageros expressionais.

3. Alternativa d

4. Alternativa d
Ao apresentar o encontro entre o algibebe Leonardo e a saloia Maria, o narrador das Memórias de um Sargento de Milícias opõe-se frontalmente ao “tratamento idealizante e sentimental das relações amorosas” que prevalece na literatura romântica. A irônica qualificação da pisadela como “gracejo” e do beliscão como uma “declaração” desfaz qualquer sentimentalismo e traz a cena para o terreno do prosaico, impedindo a idealização do encontro amoroso.

5. Alternativa c
A leitura da obra revela uma novidade: a maioria das personagens utiliza uma variante lingüística que se situa entre o irreverente e o informal. Assim, a variante popularesca, prosaica, repleta de marcas de oralidade contrasta com a linguagem literária da época, mais formal. A alternativa c apresenta a variante das personagens, sobretudo pela escolha de um léxico informal, como rechonchuda e bonitota.

6. Resolução

a) Dentre as características que colocam o romance de Manuel Antonio de Almeida em um lugar peculiar do Romantismo brasileiro, estão a linguagem não usual para a época, com o uso frequente de gírias; a abordagem pouco sentimental e pouco idealizadora; e, principalmente, o tom irônico que o narrador emprega em relação ao próprio Romantismo.

b) Na construção do enredo, pode-se citar o relato de costumes da baixa burguesia carioca, a ausência do maniqueísmo tipicamente romântico e o fato de que a narrativa não é norteada pelo julgamento moral que caracterizava os romances do Romantismo. Na caracterização das personagens, além de sua inclusão numa classe social menos favorecida, podese citar o comportamento malandro de Leonardo (filho), contrapondo-se ao estereótipo muito comum dos protagonistas românticos, com uma trajetória marcada pela honra e pela virtude. Outro elemento que pode ser considerado peculiar é a tendência de alguns personagens a adotarem posturas pouco éticas, como fica demonstrado no episódio em que o Barbeiro relata a forma que amealhou dinheiro (Capítulo“O arranjei-me do Compadre”).

7. Resolução

a) Memórias de um sargento de milícias foi publicado pela primeira vez como folhetim, em capítulos semanais no suplemento dominical A Pacotilha, do jornal Correio Mercantil, no Rio de Janeiro, entre 1852-53. O “tempo do rei” a que o narrador faz menção no início do livro refere-se ao período joanino (1808-1821). Além da utilização dessa época específica como pano de fundo do romance, a expressão “era no tempo do rei” contribui para a criação de uma atmosfera que remete o leitor à fórmula tradicional das histórias infantis ou folclóricas, inserindo a narrativa numa espécie de tempo mágico e indefinido, o que também pode ser entendido como um recurso para criar um efeito de cumplicidade com o imaginário do leitor.

b) O procedimento utilizado pelo narrador de comparar o seu tempo com o “tempo do rei” é muito frequente no livro. Tal comparação revela o quanto a sociedade carioca, à época da publicação do romance em folhetim, mantinha-se com os mesmos costumes (fossem eles hábitos ou vícios) daqueles da época joanina, apesar das diferenças. A sensação de proximidade do leitor com a obra, sem dúvida, favorece o sucesso do livro. Por outro lado, a evocação do passado provoca o distanciamento que deixa o autor livre para tecer comentários sobre a sociedade de seu tempo, sem se comprometer diretamente.