27 de agosto de 2016

Leitura e interpretação de crônica Rubem Braga Variedade linguística



Acho muito simpática a maneira de a Rádio Nacional anunciar a hora: "onze e meia" no lugar de "vinte e três e trinta" [...]. Mas confesso minha implicância com aquele "meio-dia e meia". 
Sei que "meio-dia e meio" está errado; "meio" se refere a hora e tem de ficar no feminino. Sim, "meio-dia e meia". Mas a língua é como a mulher de César: não lhe basta ser honesta, convém que o pareça. Aquele "meia" me dá ideia de teste de colégio para pegar estudante distraído. Para que fazer da nossa língua um alçapão? 
Lembrando um conselho que me deu certa vez um amigo boêmio quando lhe perguntei se certa frase estava certa ("Olhe, Rubem, faça como eu, não tope parada com a gramática: dê uma voltinha e diga a mesma coisa de outro jeito") [...] Aliás, a língua da gente não tem apenas regras: tem um espírito, um jeito, uma pequena alma que aquele "meio-dia e meia" faz sofrer. E, ainda que seja errado, gosto da moça que diz: "Estou meia triste..." Aí, sim, pelo gênio da língua, o "meia" está certo. 

BRAGA, Rubem. Recado de primavera. Rio de Janeiro: Record, 1984. p. 58. 
1. Explique o que o cronista quis dizer com este trecho: "a língua da gente não tem apenas regras: tem um espírito, um jeito, uma pequena alma que aquele 'meio-dia e meia' faz sofrer", 

2. Identifique, entre os itens abaixo, os que estão redigidos não de acordo com as regras da variedade padrão, e sim conforme "o espírito, a pequena alma da língua". Justifique sua (s) escolha (s).

a) Depois do jantar, restaram sobre a mesa duas meias garrafas de vinho e bastantes frutas e doces. 
b) Este ano a viagem foi bem tranquila; tinha menas pessoas nos ônibus, porque quase ninguém viajou no feriado. 
c) A velhinha segurou o pacote que o rapaz estava lhe dando e disse: "  Muito obrigado, moço; deixei cair porque estava muito pesado". 
d) As viagens baratas de avião tornaram possíveis os sonhos de muitos brasileiros. 
e) Durante estes últimos meses, ela veio bastante vezes passear aqui em casa. 
GABARITO

1. O cronista está afirmando que, nesse caso (como em muitos outros em que há divergências entre a variedade padrão e a coloquial), a rigidez da regra de concordância traz desconforto, incomoda, vai contra o jeito "natural" de falar da maioria das pessoas. 

2. 
b) No padrão formal, "menos" é invariável; na língua coloquial, é comum o falante concordar essa palavra com o substantivo ("menas pessoas").

c) O adjetivo "obrigado", na variedade padrão, concorda com o sexo da pessoa que agradece, embora seja comum o uso da forma masculina por mulheres. 

e) A palavra "bastante" (pronome indefinido), associada a um substantivo plural "vezes"), deveria ser empregada no plural, mas na variedade coloquial raramente é flexionada.